Sobre a Morte e o Morrer
Um dia todos morreremos...
"Cada instante da vida é um passo para a morte"
Corneille , Pierre
Lembro que quanto eu era adolescente, um dos livros que mais me fascinou foi a "Divina Comédia". Apesar de ter sido escrito, obviamente, com uma visão cristã bem medieval - acredita-se que por volta de 1307 - a 'hierarquização' do céu, inferno e purgatório usada por Dante Alighieri parece ter um paralelo com a cosmogonia budista. Mas lembro que fiquei chocado por encontrar os grandes pensadores gregos no limbo, pelo simples fato de eles não terem escolhido Cristo como salvador. Isso mostra bem o pensamento cristão na Idade Média. O pobrezinho do Homero estava no limbo. E eu pesava: mas o cara era do século 9 ou 8 antes de Cristo, como ele poderia tê-lo escolhido?" Pode parecer uma besteira, mas fiquei muito preocupado com isso. Eu não era batizado na igreja católica, portanto um pagão. E como pagão, iria passar a eternidade ouvindo a Ilíada!
Não existe nenhuma pessoa no planeta que não tenha passado pela experiência da perda de um ente querido. É uma experiência profundamente dolorosa, mesmo quando a pessoa está adoecida há tempos e a morte é “esperada” porque já se tentou de tudo ou porque seja portadora de uma patologia fatal. Ainda assim, a morte nunca é esperada, ou melhor, é, porém, com esperanças de que seja postergada ou até, que aconteça uma espécie de milagre e evite o ciclo natural evidente no fato.
Há uma historinha do budismo que ensina a inevitabilidade da morte.
“Uma mulher cujo filho pequeno acabara de morrer corria pelas ruas desesperada, implorando a todos um remédio mágico que restituísse a vida de seu filho”.
Alguém então lhe disse para pedir a Buda.
Ela subiu a montanha até ele e implorou a vida de seu filho. Buda respondeu: Vá até a cidade e traz-me um grão de mostarda de uma casa onde não tenha morrido ninguém. Ela desceu a montanha, e correu pelas casas da cidade, sem encontrar uma única casa onde ninguém tivesse morrido.
Assim ela entendeu que morrer fazia parte da vida, por mais que Buda ressuscitasse o filho dela um dia ele morreria de novo, pois a morte e vida não são contrarias, são irmãs, então ela voltou até Buda mais reconfortada e ouviu dele a verdade:
"No mundo do homem e no mundo dos deuses, a lei é uma só: todas as coisas são passageiras”.
O Buda Shakyamuni e vários outros mestres ensinam que, na verdade, a vida faz parte da morte. É um ciclo sem fim, como um círculo.
Diante da morte, as reações são absolutamente particulares. Saber que nunca mais será possível conversar, brincar, partilhar da sua presença, brigar com ela, tocar, olhar no fundo dos olhos. Enfim, a sensação de que nos tiraram o chão é comum, porque a dor é muito grande. Alguns tentam ignorar a tristeza; outros se fecham; há também os que reprimem a dor. O que é necessário se aprender sobre a morte é, primeiro de tudo, que a dor é real. Não há como negá-la, mesmo que a negação faça parte do processo de luto! Depois, é preciso aprender saber viver esta dor corretamente. O luto é o tempo que precisamos para reorganizar a nossa vida. É um tempo que sentimos um misto de emoções como tristeza, revolta, indignação, raiva, angústia, inconformismo. É importante que se prove estes sentimentos e saboreie o que eles proporcionam, pois ajudam a superar situações que ficaram sem solução em vida.
Alguns questionamentos que vem junto com a morte geram culpa e é a própria vivência dos sentimentos de dor que a morte alavanca que purifica tudo, inclusive, imperfeições de relacionamentos. Muitos preferem, no momento da dor maior, fazer uso de remédios tranquilizantes para amenizar ou anestesiar a dor da perda. O que muitos não sabem é que as etapas do luto devem ser sentidas para que sejam melhor elaboradas e consistem em vivenciar o velório, a despedida, o sepultamento, missas de 7° dia, 1 mês, 1 ano. É natural que nos primeiros dias nos reservemos para processar o fato e isso deve ser respeitado. Mas a dor, passado alguns dias, não pode ser determinante por um período longo demais. Procurar ajuda, seja em forma de desabafos sinceros com um amigo, familiar ou profissional, contribui para que possamos assumir o quanto ficou por ser dito, feito, sentido e ameniza alguns dos sentimentos difíceis de superar. Mas, mesmo com o coração sangrando, passado um tempo, é hora de curá-lo para continuar a vida, mesmo que falte vontade. Algumas vezes, a morte de um ente querido, depois de superada nos ensina a viver melhor, com mais qualidade.
Pode soar estranho encarar a morte de forma natural, mas morrer é tão natural quanto viver. Se você puder estar ao lado de uma pessoa em seu leito de morte, não tenha medo de segurar-lhe a mão, afagar o cabelo, de falar palavras doces, pois, além de ajudar a pessoa a morrer melhor, você encontrará maior entendimento da vida para si mesmo.
Bibliografia:
FREUD, S. Luto e Melancolia. In: Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição
standard brasileira. Tradução por Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. Vol. 14, p.245-263.
BROMBERG, M.H. A psicoterapia em situações de perdas e luto. Campinas: Livro Pleno, 2000.
ARIÉS, P. História da Morte no Ocidente. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977.
BOWLBY, J. Apego e Perda. V.3. São Paulo: Martins Fontes, 1985
PARKES, C. M. Luto: estudos sobre a perda na vida adulta. São Paulo: Summus, 1998.
Postado por Alexandre Yamazaki
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