terça-feira, 26 de abril de 2011

Boca a boca

Quero um beijo sem fim,
Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!
Ferve-me o sangue. Acalma-o com teu beijo,
Beija-me assim!
O ouvido fecha ao rumor
Do mundo, e beija-me, querida!
Vive só para mim, só para a minha vida,
Só para o meu amor!
Fora, repouse em paz
Dormindo em calmo sono a calma natureza,
Ou se debata, das tormentas presa,
Beija inda mais!
E, enquanto o brando calor
Sinto em meu peito de teu seio,
Nossas bocas febris se unam com o mesmo anseio,
Com o mesmo ardente amor!
Diz tua boca: “Vem!”
Inda mais! diz a minha, a soluçar… Exclama
Todo o meu corpo que o teu corpo chama:
“Morde também!”
Ai! morde! que doce é a dor
Que me entra as carnes, e as tortura!
Beija mais! morde mais! que eu morra de ventura,
Morto por teu amor!
Castro Alves
No princípio a Terra era sem forma e vazia…e então, criou-se o beijo….dele, para o sexo, foram só alguns segundos. E até hoje fodemos feito coelhos.
Já disse aqui e repito: Sexo, pra mim, começa com o olhar. O olhar do desejo. Aquele que todo mundo conhece, aquele olhar faminto, aquele que encrispa o corpo, que dá o frio na barriga, que faz o coração bater mais forte, que entumesce paus e molha bocetas pelo mundo afora.
Depois desse olhar, vem a aproximação. Palavras, como elucida a letra de “Enjoy The Silence” do Depeche Mode, são desnecessárias e a confirmação do “eu tambem te quero, porra” vem dele, do beijo.
As pessoas banalizam e menosprezam o beijo, mas um beijo bem dado, com a ajuda de doses certas de desejo são capazes de levar qualquer um à loucura.
Eu já gozei com um simples beijo. Sem ajuda de manipulações ou penetração, gozei ali, no parque às 3 da tarde, sob o sol brilhante e quente, sobre a grama verde e úmida, cingida por braços fortes a ávidos, perdida entre línguas, suspiros e volúpia.
E alí estava eu, gozando na relva. Olhos fechados, em transe, travando uma batalha lingual que estava longe de chegar ao fim, quando senti meu corpo se arqueando e um calor insuportável no baixo ventre, que finalmente explodiu em espasmos…minha boceta molhada contraía-se loucamente, o líquido quente e espesso molhava minha calcinha, alguns segundos fora do ar, em outra dimensão e então, aquela sensação enebriante, anestesiante, recompensadora.
E ele só havia me beijado.
O beijo pode selar um encontro de almas. E não estou sendo romântica aqui, a meu ver, almas podem se encontrar simplesmente para dar prazer um ao outro para, então, trilhar caminhos opostos. Mas ainda trata-se de um encontro. E conjunções sexuais são geralmente poderosas.
Um beijo quente precisa ter, antes de qualquer coisa, desejo. Fome. Instinto. Ele guiará os corpos dali por diante e não adianta se afobar ou você vai estragar tudo. A urgência do corpo do outro chega a doer, mas em um encontrão mais afoito, dentes se chocam, lábios são mordidos e se você não curtir um SM, a brincadeira acaba nas preliminares.
O beijo perfeito é cadenciado e voluptuoso. As bocas semicerradas, nunca abertas em demasia ou fechadas a ponto de tornar a manobra impossível. O beijo é troca, o beijo é desarmar-se e despir-se antes mesmo de se tirar a roupa.
O beijo tem um quê canibalesco, antropofágico, como se quisessemos absorver todas as qualidades da pessoa ali, no boca a boca. Como se quisessemos sorver o outro, engolí-lo, guardá-lo para sempre, dentro de nós.
É preciso saber escutar e acompanhar o próprio ritmo para beijar bem. É preciso fazer a língua dançar voluptuosamente em torno da outra, explorando, excitando, chamando, oscilando calma e dedicação com apetite e explosão.
É preciso chupar a lingua, os lábios, mordiscá-los, lambê-los, roçar, provocar.
Não existe o beijo certo. Existe o beijo errado.
E é preciso beijar molhado. Nada disso de “ter nojo”, sexo é troca de fluídos…é porra, salíva, líquido vaginal, suor, muitas vezes lágrimas e outras cositas más (para quem gosta, claro).
Se você tem nojo de sexo, você tem problemas.
O beijo precisa ser molhado para deslizar, para melar os dois e finalmente selar a trepada, que deve ser o objetivo final de tanta dedicação.
Digo e garanto: Você saca se a pessoa manda bem na cama, pelo beijo.
Já cheguei a esquecer de muitas trepadas, mas nunca esqueci de beijos especiais.
Quem beija bem também faz um bom boquete e dá uma bela chupada.
O beijo é só o começo…e é preciso começar direito.
É claro que existem beijos tristes, beijos de adeus, beijos amargos, beijos odiosos…mas ele sempre funciona como uma espécie de sinete, uma marca.
O significado dessa marca, vai caber a cada um.
Beijem, sempre.
Publicado em Conto o milagre
VIOLÊNCIAS CONTRA A MULHER
O hediondo crime que envolve o goleiro Bruno – a mulher, após ser assassinada, teve o corpo destroçado e devorado por cães, segundo denúncia – é a ponta do iceberg de um problema recorrente: a agressão masculina à mulher.

Entre 1997 e 2007, segundo o Mapa da Violência no Brasil/2010, 41.532 mulheres foram assassinadas no país. Um índice de 4,2 vítimas por cada grupo de 100 mil habitantes, bem acima da média internacional. O Espírito Santo apresenta o quadro mais grave: 10,3 assassinatos de mulheres/100 mil.

O Núcleo de Violência da Universidade de São Paulo identifica como assassinos maridos, ex-maridos e namorados inconformados com o fim da relação. Ao forte componente de misoginia (aversão à mulher), acresce-se a prepotência machista de quem se julga dono da parceira e, portanto, senhor absoluto sobre o destino dela.

A Central de Atendimento à Mulher (telefone 180) recebeu, nos primeiros cinco meses deste ano, 95% mais denúncias do que no mesmo período do ano passado. Mais de 50 mil mulheres denunciaram agressões verbais e físicas. A maioria é de mulheres negras, casadas, com idade entre 20 e 45 anos e nível médio de escolaridade. Os agressores são, em maioria, homens com idade entre 20 e 55 anos e nível médio de escolaridade.

Acredita-se que o aumento de denúncias se deve à Lei Maria da Penha, sancionada em 2006 pelo presidente Lula, e que aumenta o rigor da punição aos agressores. Apesar desse avanço, tudo indica que muitos lares brasileiros são verdadeiras casas dos horrores. A mulher é humilhada, destratada, surrada, por vezes vive em regime de encarceramento virtual e de semiescravidão no trabalho doméstico. Sem contar os casos de pedofilia e agressão sexual de crianças e adolescentes por parte do próprio pai.

A violência contra a mulher decorre de vários fatores, a começar pela omissão das próprias vítimas que, dependentes emocional e financeiramente do agressor, ou em nome da preservação do núcleo familiar, ficam caladas ou dominadas pelo pavor frente aos efeitos de uma denúncia. Soma-se a isso a impunidade. Eliza Zamudio, ex-namorada do goleiro Bruno, teria recorrido à Delegacia de Defesa da Mulher, sem que sua queixa tivesse sido levada a sério. Raramente o poder público assegura proteção à vítima e é ágil na punição ao agressor.

A violência contra a mulher não ocorre apenas nas relações interpessoais. Ela é generalizada pela cultura mercantilizada em que vivemos. Basta observar a multiplicidade de anúncios televisivos que fazem da mulher isca pornográfica de consumo.

Pare diante de uma banca de revistas e confira a diversidade do “açougue” fotográfico! Preste atenção no papéis femininos em programas humorísticos. Ora, se a mulher é reduzida às suas nádegas e atributos físicos, tratada como “gata” ou “avião”, exposta como mero objeto de uso masculino, como esperar que seja respeitada?

Nossas escolas, de uns anos para cá, introduziram no currículo aulas que abordam o tema da sexualidade. Em geral se restringem a noções de higiene corporal para se evitar doenças sexualmente transmissíveis. Não tratam do afeto, do amor, da alteridade entre parceiros, da família como projeto de vida, da irredutível dignidade do outro, incluídos os/as homossexuais.

Nas famílias, ainda há pais que conservam o tabu de não falar de sexo e afeto com os filhos ou julgam melhor o extremo oposto, o “liberou geral”, a total falta de limites, o que favorece a erotização precoce de crianças e a promiscuidade de adolescentes, agravada pelos casos de gravidez inesperada e indesejada.

Onde andam os movimentos de mulheres? Onde a indignação frente às várias formas de violência contra elas?

Os clubes esportivos deveriam impor a seus atletas, como fazem empresas e denominações religiosas, um código de ética. Talvez assim a fama repentina e o dinheiro excessivo não virassem a cabeça de ídolos de pés de barro...

Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org – twitter:@freibetto