terça-feira, 19 de agosto de 2014

Duane Stephenson - "August Town"


Grito de XANGÔ

Salve o Grito de XANGÔ

que expulsa os mentirosos e charlatões,

Salve a Espada de OGUM

que corta o ódio e inveja,

Salve a Flecha de OXOSSI
...

que vence a maldade e a traição,

Salve as Águas de OXUM

que lava a mentira e falsidade,

Salve os Ventos de Iansã

que varre o egoísmo,

Salve as Águas de IEMANJÁ

que afoga o desrespeito ao próximo,

Salve as Chuvas de NANÃ

que esmagam as irresponsabilidades,

Salve o Cajado de OMULU

que bane as doenças e desordens,

Salve Pai OXALÁ

que ensina a VERDADE e a CARIDADE.
Filipe Sousa

"A Outra Ceia"

 
"Eu tive um sonho bom / Gostoso de sonhar / Durou a noite inteira
Eu tive um sonho bom / Sonhei com Oxalá / Em plena sexta-feira

Abri o coração com toda a minha fé / Cansado de chorar, rezei
Falei da minha cruz / Roguei o seu axé
A luz...
que é verdadeira / Também pedi perdão por tudo o que eu errei
E ele quis cuidar de mim / Chamou os Orixás
Corrente de poder / Nessa reunião se fez

Mandou Iemanjá, Oxum / Oxumaré
lavarem o meu coração / Que o vento de Iansã soprasse com amor
E mais justiça de Xangô / Que a espada de Ogum ganhasse de uma vez
batalhas por onde eu passar / Que Oxossi não deixasse a ceia me faltar
E Ossaim com as ervas me banhar

Da saúde também, Omolú vai cuidar / A falange atendeu ao meu Pai Oxalá

E nessa reunião estava toda falange do ritual:
Vovó Nené, Erun, Êva, Icundim, Caboclos, Pretos Velhos, Beijada, Vovó Nanã é claro! Os exus foram na frente limpando os caminhos. Obrigado meu Pai Oxalá, pela saúde, pela paz. E até pelos tropeços que ensinam a gente a viver. É sempre bom estar em sintonia com a sua luz, que é a luz maior, que é a luz verdadeira. Obrigado meu Pai Oxalá. Atoto Obaluaê! "

  ("A Outra Ceia" - Marquinhos PQD)
 
 

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Chegaremos ao sexo ideal quando o orgasmo surge ao sentirmos apenas o respirar alheio atingirnos a pele, quando descobrimos a melhor forma de roçarmos a nossa pele, na pele contrária e, com isso, provocarmos um valioso êxtase mais intenso e prolongado que a mais vigorosa das penetrações.
































Jorge Luís Borges, in "O Imortal"

A Imortalidade
 
Ser imortal é coisa sem importância. Excepto o homem, todas as criaturas o são, porque ignoram a morte. O divino, o terrível, o incompreensível, é considerar-se imortal. Já notei que, embora desagrade às religiões, essa convicção é raríssima. Israelitas, cristãos e muçulmanos professam a imortalidade, mas a veneração que dedicam ao primeiro século prova que apenas crêem nele, e destinam todos os outros, em número infinito, para o premiar ou para o castigar.
Ma...is razoável me parece o círculo descrito por certas religiões do Indostão. Nesse círculo, que não tem princípio nem fim, cada vida é uma consequência da anterior e engendra a seguinte, mas nenhuma determina o conjunto... Doutrinada por um exercício de séculos, a república dos homens imortais tinha conseguido a perfeição da tolerância e quase do desdém. Sabia que num prazo infinito ocorrem a qualquer homem todas as coisas. Pelas suas passadas ou futuras virtudes, qualquer homem é credor de toda a bondade, mas também de toda a traição pelas suas infâmias do passado ou do futuro. Assim como nos jogos de azar as cifras pares e ímpares permitem o equilíbrio, assim também se anulam e se corrigem o engenho e a estupidez.
(...) Ninguém é alguém, um único homem imortal é todos os outros homens. Como Cornelio Agrippa, sou deus, sou herói, sou filósofo, sou demónio e sou o mundo, o que é uma forma cansativa de dizer que não sou.
(...) A morte (ou a sua alusão) torna os homens delicados e patéticos. Estes comovem-se pela sua condição de fantasmas. Cada acto que executam pode ser o último. Não há um rosto que não esteja por se desfigurar como o rosto de um sonho. Tudo, entre os mortais, tem o valor do irrecuperável e do perdido. Entre os Imortias, pelo contrário, cada acto (e cada pensamento) é o eco de outros que no passado o antecederam, sem princípio visível, ou o claro presságio de outros que, no futuro, o repetirão até à vertigem. Não há coisa que não esteja perdida entre infatigáveis espelhos. Nada pode ocorrer uma só vez, nada é primorosamente gratuito. O elegíaco, o grave, o cerimonial, não contam para os Imortais. Homero e eu separamo-nos nas portas de Tânger. Creio que não nos despedimos.
 
Jorge Luís Borges, in "O Imortal"
 
 

sábado, 16 de agosto de 2014

Wilkeer Souza.

E não conte nada disso a ninguém, por favor!
— Escritores são loucos, é, conversam sozinhos achando que esses papéis rabiscados iam resolver teus problemas do dia a dia. Tenho dó deles, coitados, pobres loucos sonhadores. - risos.
Já até ouvir falar de uma história que o escritor chegou ao ponto do suicídio, matando seus poemas em folhas pardas, fome de palavras, pois não conseguia escrever nada além da tua dor literária, apagou tudo em lágrimas manchadas. Mas será que isso é verdade? Eu não duvido, muitas vezes achamos que a morte pode aliviar a dor e nem pensamos que a morte ira retirar a vida sobrecarregada, liberando teu corpo sobre as linhas tortas manuscrita por noites de insônias, bêbado, embriagado com músicas calmas e compreendendo a essência da vida sobre os teus erros. São loucos, nunca serei escritor, nunca, nem ao menos tentaria ser um. Imagine só, dividir tudo que aprendi com pessoas desconhecidas, analfabetas, pois muitos iram ler e nunca saberiam o que aconteceu no enredo da história, contexto de velhos sentimentos de um homem insolente. É a capa nova, folhas amaçada, livros rasgados - é isso que o escritor é destinado a expor nos teus olhares? Não, não serei nada disso. Prefiro lidar com meus próprios erros, sem precisar da ajuda de ninguém.
Quero lhe contar mais uma coisa sobre mim, eu tento escrever todas as noites, mas sem a intenção que alguém leia meus versos, escrevo para uma parte de mim que ainda desconheço, escrevo para alguém que tento esquecer todo santo dia, escrevo sobre o que vivi nesses anos, sobre essa solidão que toma conta de tudo ao meu redor, escrevo para não falar sozinho, para não morrer todas as vezes que relembrar do sorriso de alguém, escrevo para não me chamarem de louco.
Mas não penso em ser escritor, tenho apenas a vontade de ficar eternamente na vida de alguém, marca tua boca com belas palavras, ser lembrado pelo menos alguns segundos sequer durante o dia difícil que iram ter, e pensarem: “como esse cara é foda”, conseguiu decifrar o que eu sinto sem ao menos falar com meu peito, ou ouvir meus sussurros. Pois de solidão ele sabe bem o que falar, por que quem tenta ser escritor morre sozinho, morre a cada ponto e ressurge a cada vírgula com o propósito de abrigar as pessoas nas tuas palavras, falsos escritores são amigos desconhecidos que nunca tivemos e que sempre estariam contigo no começo de um conto; “era uma vez”. Mesmo que seja sobre algo que nunca viveu, mas sempre sonhou.
E nisso notamos que louco é quem ama, e escritor é um louco apaixonado pela literatura, um admirador secreto do amor.
” 

—  Wilkeer Souza.  (via espeliarmus)


 

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Carlos Drummond de Andrade.


Mesmo antes de nascer, já tinha alguém torcendo por você.
Tinha gente que torcia para você ser menino. Outros torciam para você ser menina. Torciam para você puxar a beleza da mãe, o bom humor do pai. Estavam torcendo para você nascer perfeito. Daí continuaram torcendo. Torceram pelo seu primeiro sorriso, pela primeira palavra, pelo primeiro passo. O seu primeiro dia de escola foi a maior torcida. E o primeiro gol, então? E de tanto torcerem por você, você aprendeu a torcer. Começou a torcer para ganhar muitos presentes e flagrar Papai Noel. Torcia o nariz para o quiabo e a escarola. Mas torcia por hambúrguer e refrigerante. Começou a torcer até para um time. Provavelmente, nesse dia, você descobriu que tem gente que torce diferente de você. Seus pais torciam para você comer de boca fechada, tomar banho, escovar os dentes, estudar inglês e piano. Eles só estavam torcendo para você ser uma pessoa bacana. Seus amigos torciam para você usar brinco, cabular aula, falar palavrão. Eles também estavam torcendo para você ser bacana. Nessas horas, você só torcia para não ter nascido. E por não saber pelo que você torcia, torcia torcido. Torceu para seus irmãos se ferrarem, torceu para o mundo explodir. E quando os hormônios começaram a torcer, torceu pelo primeiro beijo, pelo primeiro amasso. Depois começou a torcer pela sua liberdade. Torcia para viajar com a turma, ficar até tarde na rua. Sua mãe só torcia para você chegar vivo em casa. Passou a torcer o nariz para as roupas da sua irmã, para as idéias dos professores e para qualquer opinião dos seus pais. Todo mundo queria era torcer o seu pescoço. Foi quando até você começou a torcer pelo seu futuro. Torceu para ser médico, músico, advogado. Na dúvida, torceu para ser físico nuclear ou jogador de futebol. Seus pais torciam para passar logo essa fase. No dia do vestibular, uma grande torcida se formou. Pais, avós, vizinhos, namoradas e todos os santos torceram por você. Na faculdade, então, era torcida pra todo lado. Para a direita, esquerda, contra a corrupção, a fome na Albânia e o preço da coxinha na cantina. E, de torcida em torcida, um dia teve um torcicolo de tanto olhar para ela. Primeiro, torceu para ela não ter outro. Torceu para ela não te achar muito baixo, muito alto, muito gordo, muito magro. Descobriu que ela torcia igual a você. E de repente vocês estavam torcendo para não acordar desse sonho. Torceram para ganhar a geladeira, o microondas e a grana para a viagem de lua-de-mel. E daí pra frente você entendeu que a vida é uma grande torcida. Porque, mesmo antes do seu filho nascer, já tinha muita gente torcendo por ele. Mesmo com toda essa torcida, pode ser que você ainda não tenha conquistado algumas coisas. Mas muita gente ainda torce por você. Se procurar bem você acaba encontrando. Não a explicação duvidosa do mundo, mas a poesia inexplicável da vida. Eu torço por você.
 
                                     Carlos Drummond de Andrade.




 

Martha Medeiros.


    “Um amigo não racha apenas a gasolina. Racha lembranças, crises de choro, experiências. Racha a culpa, racha segredos. Um amigo não empresta apenas a prancha. Empresta o verbo, empresta o ombro, empresta o tempo, empresta o calor e a jaqueta. Um amigo não recomenda apenas um disco. Recomenda cautela, recomenda um emprego, recomenda um país. Um amigo não dá carona apenas pra festa. Te leva pro mundo dele, e topa conhecer o teu. Um amigo não passa apenas cola. Passa contigo um aperto, passa junto o reveillon. Um amigo não caminha apenas no shopping. Anda em silêncio na dor, entra contigo em campo, sai do fracasso ao teu lado. Um amigo não segura a barra, apenas. Segura a mão, a ausência, segura uma confissão, segura o tranco, o palavrão, segura o elevador. Duas dúzias de amigos assim ninguém tem. Se tiver um, amém.

—  Martha Medeiros.