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domingo, 11 de setembro de 2011
Uma derrota americana
A queda
Janio de FreitasFolha de S. Paulo
Janio de FreitasFolha de S. Paulo
Nada na vida social, política e militar americana voltou à sua natureza depois da derrubada das torres
As celebrações e as atividades jornalísticas e políticas a propósito do 11 de Setembro não se fazem a propósito de vitória. E se não o fazem, dissociados da visão gloriosa que o Ocidente tem de si mesmo, é por não poderem fazê-lo. O acontecimento de 11 de setembro de 2001 não se completou ainda.
A concepção histórica e social, religiosa e combatente que gerou o ataque vitorioso às torres simbólicas não deu sinais, nestes dez anos seguintes, de que as respostas ocidentais a tenham reduzido à vida vegetativa. Para nem falar em extinção. Está viva, sem sinal de derrota próxima, na geografia hostil às forças norte-americanas e outras que se enredam em mortandade até hoje sem efeito além da mortandade mesma. A par de ser esse enredamento a causa, agravante senão originária, de gastos que têm uma quota alta de responsabilidade na crise do poder e da vida nacional nos Estados Unidos.
Nos dez anos recentes, nada, entre os norte-americanos, pôde desfazer-se por completo das influências decorrentes do 11 de Setembro. O poder policial agigantou-se a ponto de se tornar inconciliável com a democracia. E o medo conferiu-lhe primazia sobre os direitos gerais de cidadania, tornados alcançáveis e vitais desde que enfim abolida a discriminação racial há cerca de 50 anos.
Nada na vida social, política e militar americana voltou à sua natureza depois da derrubada das torres gêmeas. O que Barack Obama prometia era a superação dessas condições, a começar da retirada quase imediata das tropas invasoras do Iraque e do Afeganistão. Desistiu ou fracassou, não faz diferença. Nem os arremedos e promessas de retirada futura têm sequer o mínimo de crédito. A arrogância natural dos norte-americanos, fruto personalizado do seu êxito nacional sobre o planeta, continua a mesma, porém minada por sentimentos de insegurança e por interrogações até aqui insuperáveis. E, pior, sem indícios de se deixarem superar em tempos mais ou menos próximos.
As celebrações nos Estados Unidos e a abundância da rememoração jornalística do 11 de setembro de 2001 ocupam-se da dor e do pasmo de uma derrota que não teve, e não se sabe quando e se terá, o seu reverso.
A MÃO INVISÍVEL - Frei Betto
A MÃO INVISÍVEL
Desde criança tenho, como todo mundo, meus medos. Já foram maiores: medo de
ver meu pai bravo, de ser obrigado a comer jiló, de tirar zero na prova de
matemática. Medo, sob a ditadura, de me ver abordado por uma viatura policial.
Medo, sob a chuva capixaba, de que meu barraco na favela, erguido à beira de
um precipício, fosse levado pelas águas.
Hoje, coleciono outros medos. Um deles, medo da mão invisível do Mercado.
Aliás, do que é invisível só não temo Deus. Temo bactérias e extraterrestres.
As primeiras, combato com antibióticos – termo inapropriado, pois significa
“contra a vida” e, no entanto, os inoculamos para favorecê-la.
Quanto aos extraterrestres, fiquei menos temeroso ao saber que o mais longo
alcance no espaço conseguido por nossa tecnologia é atingido pelas emissões
televisivas. Com certeza, ao captá-las, os exploradores interplanetários
chegaram à conclusão de que na Terra não há vida inteligente...
Volto à mão invisível do Mercado. Onde ele a enfia? De preferência, no nosso
bolso. Em especial, no dos mais pobres. Ela é invisível porque safada, como
todo delito praticado às escondidas. Por exemplo, o Mercado pratica extorsão
no bolso dos mais pobres através dos impostos embutidos em produtos e
serviços. Tudo poderia nos custar mais barato se não fosse essa mão-boba que
se imiscui no que consumimos.
Agora que o Mercado entrou em crise – pois a bolha que inflou estourou na
cara dele – onde anda enfiando a sua mão invisível? A resposta é visível: no
bolso do governo. Nos EUA, o Mercado, nos estertores da administração Bush (de
infeliz memória), meteu a mão em US$ 830 bilhões e, agora, arranca mais US$
900 bilhões da recém empossada administração Obama. Tudo pra enfiar essa
fortuna no bolso furado do sistema financeiro.
Aliás, a mão invisível do Mercado ignora o bolso dos cidadãos. Viciada,
sempre beneficia o bolso dos ricos. É o caso do Brasil. Diante da crise (e das
próximas eleições) o governo trata de anabolizar o PAC, de modo que a mão do
Mercado possa abastecer, o quanto antes, o bolso das empreiteiras e das
empresas privadas encarregadas das obras.
Minha avó advertia: “Veja lá, menino, onde põe esta mão!” E me obrigava a
lavá-la antes de sentar à mesa. Acho que a mão do Mercado é invisível porque
jamais se lava. Ao contrário, lava dinheiro sem se lavar da sujeira que a
impregna. É o que deduzo ao ler a notícia de que, nos paraísos fiscais, a
liquidez dos grandes bancos foi assegurada, nos últimos anos, graças aos
depósitos do narcotráfico.
A mão pode ser invisível, mas suas impressões digitais não. Onde o Mercado
bota a mão fica a marca. Sobretudo quando tira a mão, deixando ao relento
milhares de desempregados, jogados na rua da inadimplência, enforcados em
dívidas astronômicas.
O Mercado é como um deus. Você crê nele, põe fé nele, venera-o, faz
sacrifícios para agradá-lo, sente-se culpado quando dá um passo em falso em
relação a ele – ainda que a culpa seja dele, como no caso da compra de ações
que ele lhe vendeu prometendo fortunas e, agora, elas valem uma ninharia.
Como um deus, só se pode conhecê-lo por seus efeitos: a Bolsa, o salário, a
hipoteca, o crédito, a dívida etc. Ele se manifesta por meio de sua criação,
sem no entanto se deixar ver ou localizar. Ninguém sabe exatamente a cara que
tem e o lugar onde se esconde, embora seja onipresente. Até na vela vendida à
porta da igreja ele se faz presente. E mete a mão, a famosa mão invisível, a
temida mão invisível, essa mão mais execrável que a de tarados que ousam
enfiá-la sob a saia da mulher de pé no ônibus.
Nem adiante gritar: “Tira essa mão daí!” Apesar de a mão invisível manipular
descaradamente nossa qualidade de vida, privilegiando uns poucos e asfixiando
a maioria, dela ninguém se livra. Como é invisível, não se pode amputá-la. Só
resta uma saída: cortar a cabeça do Mercado. Mas isso é outra história. Hoje
falei da mão. A cabeça fica pra outro dia.
Frei Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco), entre
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