quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Bundas

as diferenças do entalhe...

Pepitas




Uma breve história de um Estado terrorista...

...Aqui aparece um ponto que parece ser decisivo para as leituras da foto em questão. O Estado brasileiro, até hoje, não reconheceu que foi autor de crimes no período da ditadura. Não se trata apenas de reconhecer crimes contra o marco constitucional da época. Um governo eleito foi derrubado por alguns setores civis e militares, num movimento autoritário que feriu de morte o marco constitucional da época. Além desse crime, outros foram praticados: prisões arbitrárias e ilegais, demissões arbitrárias do serviço público e de empresas, perseguições, sequestros, torturas, assassinatos...Crimes cometidos por agentes de um estado de exceção.

Neste contexto, os interrogadores de Dilma escondem o rosto não porque estão “torturados pela desonra”, mas porque, objetivamente, pertencem a uma organização criminosa que tomou de assalto o Estado brasileiro. O fato de isso não ser reconhecido por um jornalista sério mostra o quanto o Brasil precisa acertar as contas com sua própria história...


11 de dezembro de 2011 | N° 16914
A foto de Dilma, por Moisés Mendes

Enquanto alguém fotograva Dilma Rousseff naquele interrogatório da Auditoria Militar do Rio, você fazia o quê? Você que era jovem, com idade para duelar com a ditadura e cometer loucuras em nome da democracia ou de uma revolução, o que você fazia naquele novembro de 1970 enquanto Dilma encarava os militares com o nariz empinado e você nem sabia que Dilma existia?

Admita: você, seus irmãos, seus colegas, seus vizinhos não faziam quase nada. Eu confesso: tinha 17 anos, dormia escutando as baladas da Rádio El Mundo de Buenos Aires e acordava pensando no milagre que eliminaria minhas espinhas da cara. Como nos empurraram para a alienação naquele 1970, em Alegrete ou em Porto Alegre!

E agora você, que tem hoje a idade de Dilma em 1970, que tem 22 aninhos, que já postou mais de mil fotos suas no Facebook: você já tem uma foto síntese como aquela de Dilma? Tem a imagem que revele sua alma, que dispense legendas, que esteja para você como a Mona Lisa está para todas as mulheres e como a Guernica de Picasso está para todas as guerras? Você tem uma imagem que tenha condensado tudo de você?

Se ainda não produziu a foto reveladora de sua presença neste mundo, não se penitencie. A foto de Dilma é única. Não acredite na conversa de que todos os jovens daquele 1970 enfrentavam a ditadura com o olhar de laser de Dilma. Os jovens de 1970 estavam anestesiados por quatro anos de regime militar, pelo Tri no México, pela censura.

A edição número 115 de Veja, de 18 de novembro daquele 1970, trazia esta capa: Em quem os jovens votaram. A reportagem tratava de uma pesquisa com mil jovens de 18 a 22 anos, de São Paulo, Rio, Porto Alegre e Recife, que votavam pela primeira vez no dia 15 daquele mês para eleger senadores e deputados.

Algumas revelações da pesquisa: 52% não sabiam por que os militares fizeram o golpe de 64; outros 25% disseram que o golpe evitara o comunismo; 71% achavam que o povo estava feliz com a situação do país; 51% dos jovens gaúchos votariam na Arena (o partido do governo) e 44% no MDB (da oposição); e 55% de todos os pesquisados no país votavam “por obrigação” (só 10% entendiam que votar era um direito). E quem tinha sido Oswaldo Aranha? 83% não tinha a menor noção. E qual seria a nota para o presidente Médici? Um 8,4. E assim por diante.

Na eleição, de 70, o MDB levou uma lambada de dois votos por um da Arena. A Arena elegeu 41 senadores e 223 deputados federais. O MDB, apenas seis senadores e 87 deputados. No Estado, Daniel Krieger e Tarso Dutra, arenistas, foram eleitos senadores com o dobro de votos dos emedebistas Paulo Brossard e Geraldo Brochado da Rocha.

Foi uma goleada do partido do governo, com o voto faceiro dos jovens. Vão dizer que havia a campanha do voto nulo, que o país ainda estava confuso, que faltava coesão ao MDB, aos democratas e às esquerdas. Nessa confusão, os jovens eram, como escreveu Mino Carta, o diretor de Veja, “pouco politizados, muito práticos e eventualmente ingênuos”.

Éramos alienados, seu Mino. Jovens com o perfil de Dilma, comunistas, democratas ou anarquistas, que provocaram o confronto do regime com suas próprias vergonhas, eram quase todos da minoria da militância estudantil. Só leve a sério quem aparecer contando vantagem, com histórias de resistência e bravura naquele 1970, se conhecer sua trajetória.


Leia mais:

A foto de Dilma no interrogatório não é a síntese da juventude brasileira de quatro décadas atrás. É apenas a foto de uma moça destemida diante de dois homens torturados pela desonra.

do blog pragmatismo político