terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O sentido de ver a Terra de fora da Terra

28/11/2012

Os últimos séculos se caracterizaram por infindáveis descobertas: continentes,povos originários, espécies de seres vivos, galáxias, estrelas, o mundo subatômico, as energias originárias e ultimamente o campo Higgs, espécie de sutil fluido que pervade o universo; as partículas virtuais ao tocá-lo recebem massa e se estabilizam. Mas não havíamos descoberto ainda a Terra como planeta, como a nossa Casa Comum. Foi preciso que saíssemos da Terra para vê-la de fora e então descobri-la e constatar a unidade Terra-Humanidade.
Este é o grande legado dos astronautas que tiveram, por primeiro, a oportunidade de contemplar a Terra a partir do espaço exterior. Produziram em nós o que foichamado de Overview Effect, vale dizer, “o efeito da visão de cima”. Belíssimos testemunhos de astronautas foram recolhidos por Frank White em seu livro Overview Effect (Houghton Mifflin Company, Boston 1987). Eles produzem em nós forte impacto e um grande sentimento de reverência, uma verdadeira experiência espiritual. Leiamos alguns testemunhos.
O astronauta James Irwin dizia:”A Terra nos recorda uma árvore de natal dependurada no fundo negro do universo; quanto mais nos afastamos dela, tanto mais vai diminuindo seu tamanho, até finalmente ser reduzida a uma pequena bola, a mais bela que se possa imaginar; aquele objeto vivo tão belo e tão caloroso parece frágil e delicado; contemplá-lo muda a pessoa, pois ela começa a apreciar acriação de Deus e a descobrir o amor de Deus”. Outro, Eugene Cernan, confessava:” Eu fui o último homem a pisar na lua em dezembro de 1972; da superfície lunar olhava com temor reverencial para a Terra num transfundo muito escuro; o que eu via era demasiadamente belo para ser apreendido, demasiadamente ordenado e cheio de propósito para ser fruto de um mero acidente cósmico; a gente se sentia, interiormente, obrigado a louvar a Deus; Deus deve existir por ter criado aquilo que eu tinha o privilégio de contemplar; espontaneamente surge a veneração e a ação de graças; é para isso que existe o universo”.
Com fina intuição observou Joseph P. Allen, outro astronauta:” Discutiu-se muito, os prós e os contras a respeito das viagens à lua; não ouvi ninguém argumentar que deveríamos ir à lua para poder ver a Terra de lá, de fora da Terra; depois de tudo, esta tem sido seguramente a verdadeira razão de termos ido à lua”.
Ao fazer esta experiência singular, o ser humano desperta para a compreensão de que ele e a Terra formam uma unidade e que esta unidade pertence a uma outra maior, à solar, e esta à outra ainda maior, a galáctica e esta nos remete ao inteirouniverso e o inteiro universo ao Mistério e o Mistério ao Criador.
“De lá de cima”, observava o astronauta Eugene Cernan,”não são perceptíveis as barreiras da cor da pele, da religião e da política que lá em baixo dividem o mundo.” Tudo é unificado no único planeta Terra”. Comentava o astronauta Salman al-Saud:“no primeiro e no segundo dia, nós apontávamos para o nosso país, no terceiro equarto para o nosso continente; depois do quinto dia tínhamos consciência apenas da Terra como um todo”.
Estes testemunhos nos convencem de que Terra e Humanidade formam de fato um todo indivisível. Exatamente isso foi escrito por Isaac Asimov num artigo no The New York Times de 9 de outubro de1982 por ocasião dos 25 anos do lançamento do Sputnik que foi o primeiro a dar a volta à Terra. O título era:”O legado do Sptutnik: o globalismo”. Ai dizia Asimov:”impõe-se às nossas mentes relutantes a visão de que Terra e Humanidade formam uma única entidade”. O russo Anatoly Berezovoy que ficou 211 dias no espaço afirmou a mesma coisa. Efetivamente não podemos colocar de um lado a Terra e do outro a Humanidade. Formamos um todo orgânico e vivo. Nós humanos somos aquela porção da Terra que sente, pensa,ama, cuida e venera.
Contemplando o globo terrestre presente em quase todos os lugares, Irrompe, espontaneamente em nós, a percepção de que apesar de todas as ameaças de destruição que montamos contra Gaia, o futuro bom e benfazejo, de alguma forma, está garantido. Tanta beleza e esplendor não podem ser destruídos. Os cristãos dirão: Esta Terra é penetrada pelo Espírito e pelo Cristo cósmico. Parte de nossa humanidade por Jesus já foi eternizada e está no coração da Trindade. Não será sobre as ruinas da Terra que Deus completará a sua obra. O Ressuscitado e seu Espírito estão empurrando a evolução para a sua culminância.
Uma moderna legenda dá corpo a esta crença: “Era uma vez um militante cristão do Greenpeace que foi visitado em sonho pelo Cristo ressuscitado. Este o convidou para passearem pelo jardim. O militante acedeu com grande entusiasmo. Depois de andarem por longo tempo, admirando a biodiversidade presente naquele recanto, perguntou o militante:”Senhor, quando andavas pelos caminhos da Palestina, disseste, certa feita, que voltarias um dia com toda a tua pompa e glória. Está demorando demais esta tua vinda!. Quando, finalmente, retornarás de verdade, Senhor? Depois de momentos de silêncio que pareciam uma eternidade, o Senhor respondeu:”Meu irmãozinho, quando minha presença no universo e na natureza for tão evidente quanto a luz que ilumina este jardim; quando minha presença sob a tua pele e no teu coração for tão real quanto a minha presença aqui e agora; quando esta minha presença se tornar corpo e sangue em ti a ponto de não mais precisares pensar nela; quando estiveres tão imbuído desta verdade que não mais perguntarás insistentemente como estás perguntando agora, então, meu irmãozinho querido, é sinal de que eu terei retornado com toda a minha pompa e com toda a minha glória”.
Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor, autor de O Tao da Libertação,Vozes 2012.

Oscar Niemeyer, a Veja online e o Escaravelho

Com a morte de Oscar Niemeyer aos 104 anos de idade ouviram-se vozes do mundo inteiro cheias de admiração, respeito e reverência face a sua obra genial, absolutamente inovadora e inspiradora de novas formas de leveza, simplicidade e elegância na arquitetura. Oscar Niemeyer foi e é uma pessoa que o Brasil e a humanidade podem se orgulhar.
 
E o fazemos por duas razões principais: a primeira, porque Oscar humildemente nunca considerou a arquitetura a coisa principal da vida; ela pertence ao campo da fantasia, da invenção e do lúdico. Para ele era um jogo das formas, jogado com a seriedade com que as crianças jogam.

A segunda, para Oscar, o principal era a vida. Ela é apenas um sopro, passageira e contraditória. Feliz para alguns mas para as grandes maiorias cruel e sem piedade. Por isso, a vida impõe uma tarefa que ele assumiu com coragem e com sérios riscos pessoais: a da transformação. E para transformar a vida e torná-la menos perversa, dizia, devemos nos dar as mãos, sermos solidários uns para com os outros, criarmos laços de afeto e de amorosidade entre todos. Numa palavra, nós humanos devemos aprender a nos tratar humanamente, sem considerar as classes, a cor da pele e o nível de sua instrução.

Isso foi que alimentou de sentido e de esperança a vida desse gênio brasileiro. Por aí se entende que escolheu o comunismo como a forma e o caminho para dar corpo a este sonho, pois, o comunismo, em seu ideário generoso, sempre se propôs a transformação social a partir das vítimas e dos mais invisíveis. Oscar Niemeyer foi um fiel militante comunista.
Mas seu comunismo era singular: no meu modo de ver, próximo dos cristãos originários pois era um comunismo ético, humanitário, solidário, doce, jocoso, alegre e leve. Foi fiel a esse sonho a vida inteira, para além de todos os avatares passados pelas várias formas de socialismo e de marxismo.
Na medida em que pudemos observar, a grande maioria da opinião pública mundial, foi unânime na celebração de sua arte e do significado humanista de sua vida. Curiosamente a revista VEJA de domingo, dedica-lhe 10 belas páginas. Outra coisa, porém, é a revista VEJA online de 7 de dezembro com um artigo do blog do jornalista Reinado Azevedo que a revista abriga.

Ele foi a voz destoante e de reles mau gosto. Até agora a VEJA não se distanciou daquele conteúdo, totalmente, contraditório àquele da edição impressa de domingo. Entende-se porque a ideologia de um é a ideologia do outro. Pouco importa que o jornalista Azevedo, de forma confusa, face às críticas vindas de todos os lados, procure se explicar. Ora se identifica com a revista, ora se distancia, mas finalmente seu blog é por ela publicado.

Notoriamente, VEJA se compraz em desfazer as figuras que melhor mostram nossa cultura e que mais penetraram na alma do povo brasileiro. Essa revista parece se envergonhar do Brasil, porque gostaria que ele fosse aquilo que não é e não quer ser: um xerox distorcido da cultura norte-americana. Ela dá a impressão de não amar os brasileiros, ao contrário expõe ao ridículo o que eles são e o que criam. Já o titulo da matéria referente a Oscar Niemeyer da autoria de Azevedo, revela seu caráter viciado e malevolente: ”Para instruir a canalha ignorante. O gênio e o idiota em imagens”. Seu texto piora mais ainda quando, se esforça, titubeante, em responder às críticas em seu blog do dia 8/12 também na VEJA online com um título que revela seu caráter despectivo e anti-democrático:”Metade gênio e metade idiota- Niemeyer na capa da VEJA com todas as honras! O que o bloco dos Sujos diz agora?” Sujo é ele que quer contaminar os outros com a própria sujeira de uma matéria tendenciosa e injusta.

O que se quer insinuar com os tipos de formulação usados? Que brasileiro não pode ser gênio; os gênios estão lá fora; se for gênio, porque lá fora assim o reconhecem, é apenas em sua terceira parte e, se melhor analisarmos, apenas numa quarta parte. Vamos e venhamos: Quem diz ser Oscar Niemeyer um idiota apenas revela que ele mesmo é um idiota consumado. Seguramente Azevedo está inscrito no número bem definido por Albert Einstein: ”conheço dois infinitos: o infinito do universo e o infinito dos idiotas; do primeiro tenho dúvidas, do segundo certeza”. O articulista nos deu a certeza que ele e a revista que o abriga possuem um lugar de honra no altar da idiotice.

O que não tolera em Oscar Niemeyer que, sendo comunista, se mostra solidário, compassivo com os que sofrem, que celebra a vida, exalta a amizade e glorifica o amor. Tais valores não cabem na ideologia capitalista de mercado, defendida por VEJA e seu albergado, que só sabe de concorrência, de “greed is good”(cobiça é coisa boa), de acumulação à custa da exploração ou da especulação, da falta de solidariedade e de justiça em nível internacional.

Mas não nos causa surpresa; a revista assim fez com Paulo Freire, Cândido Portinari, Lula, Dom Helder Câmara, Chico Buarque, Tom Jobim, João Gilberto, frei Betto, João Pedro Stédile, comigo mesmo e com tantos outros. Ela é um monumento à razão cínica. Segue desavergonhadamente a lógica hegeliana do senhor e do servo; internalizou o senhor que está lá no Norte opulento e o serve como servo submisso, condenado a viver na periferia. Por isso tanto a revista quanto o articulista revelam um completo descompromisso com a verdade daqui, da cultura brasileira.

A figura que me ocorre deste articulista e da revista semanal, em versão online, é a do escaravelho, popularmente chamado de rola-bosta. O escaravelho é um besouro que vive dos excrementos de animais herbívoros, fazendo rolinhos deles com os quais, em sua toca, se alimenta. Pois algo semelhante fez o blog de Azevedo na VEJA online: foi buscar excrementos de 60 e 70 anos atrás, deslocou-os de seu contexto (ela é hábil neste método) e lançou-os contra Oscar Niemeyer. Ela o faz com naturalidade e prazer, pois, é o meio no qual vive e se realimenta continuamente. Nada de surpreendente, portanto.

Paro por aqui. Mas quero apenas registrar minha indignação contra esta revista, em versão online, travestida de escaravelho por ter cometido um crime lesa-fama. Reproduzo igualmente dois testemunhos indignados de duas pessoas respeitáveis: Antonio Veronese, artista plástico vivendo em Paris e João Cândido Portinari, filho do genial pintor Cândido Portinari, cujas telas grandiosas estão na entrada do edifício da ONU em Nova York e cuja imagem foi desfigurada e deturpada, repetidas vezes, pela revista-escaravelho.
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Oscar Niemeyer e a imprensa tupiniquim- Antonio Veronese

Crítica mesquinha, que pune o Talento, essa ousadia imperdoável de alçar os cornos acima da manada. No Brasil, Talento, como em nenhum outro país do mundo, é indigerível por parte da imprensa, que se acocora, devorada por inveja intestina. Capitania hereditária de raivosos bufões que já classificou a voz de Pavarotti de ruído de pia entupida; a música de Tom Jobim de americanizada; João Gilberto de desafinado e Cândido Portinari de copista…

Quando morre um homem de Talento, como agora o grande Niemeyer, os raivosos bufões babam diante do espelho matinal sedentos de escárnio.
 
Não discuto a liberdade da imprensa. Mas a pergunta que se impõe é como um cidadão, com a dimensão internacional de Oscar Niemeyer, (sua morte foi reverenciada na primeira página de todos os grandes jornais do mundo) pode ser chamado, por um jornalista mequetrefe, num órgão de imprensa de cobertura nacional, de metade-gênio-metade idiota? Isso após sua morte, quando não é mais capaz de defender-se, e ainda que sob a desculpa covarde, de reproduzir citação de terceiros…
O consolo que me resta é que a História desinteressa-se desses espasmos da estupidez. Quem se lembra hoje dos críticos da bossa nova ou de Villa-Lobos? Ao talent, no entanto, está reservada a reverência da eternidade.
Antonio Veronese (mideart@gmail.com)
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Meu caro Antonio,

Que beleza o seu texto, um verdadeiro bálsamo para os que ainda acreditam no mundo de amanhã nascendo do espírito, da fé e do caráter dos homens de hoje!

Não é toda a imprensa, felizmente. Há também muita dignidade e valor na mídia brasileira. Mas não devemos nos surpreender com a revista semanal. Em termos de vileza, ela sempre consegue se superar. Ela terá, mais cedo ou mais tarde, o destino de todas as iniquidades: a vala comum do lixo, onde nem a história se dará o trabalho de julgá-la.

Os arquivos do Projeto Portinari guardam um sem número de artigos desta rancorosa revista, assim como de outras da mesma editora, sobre meu pai, Cândido Portinari e outros seus companheiros de geração. Sempre pérfidos, infames e covardes, como este que vem agora tentar apequenar um grande homem que para sempre enaltecerá a nossa terra e o nosso povo.
Caro amigo, é impossível ficar calado, diante de tanta indignidade.

Com o carinho e a admiração do
Professor João Candido Portinari (portinari@portinari.org.br)


*Leonardo Boff é filósofo, teólogo, escritor e comisionado da Carta da Terra.