terça-feira, 24 de julho de 2012

Foto inédita de ex-militante mostra sequelas da tortura na ditadura

 
MATHEUS LEITÃO
RUBENS VALENTE
DE BRASÍLIA

Uma fotografia inédita da ex-militante de esquerda Vera Sílvia Magalhães (1948-2007), tirada em 1970, revela os efeitos da tortura a que foi submetida em um prédio do Exército no Rio de Janeiro.
A foto, obtida pela Folha, está sob a guarda do Arquivo Nacional em Brasília.
Vera, que disse ter sido submetida a tortura durante vários dias, aparece na imagem sem conseguir ficar em pé, tendo que ser amparada pelo também prisioneiro Cid Benjamin.
Então militantes do grupo comunista clandestino MR-8, ambos participaram do sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick em 1969, uma das mais importantes ações urbanas da esquerda armada.
Ditadura usou laudo militar para prender menor de idade
Foto do SNI mostra preso bem de saúde 11 dias antes da morte
Arquivo libera foto que revela lesões a bala em Carlos Lamarca
Fotografias da ditadura são liberadas para consulta
Ditadura destruiu mais de 19 mil documentos secretos

Sequelas da tortura

 Ver em tamanho maior »
Reprodução do Arquivo Nacional/Alan Marques/Folhapress
 
 
 
Reprodução de foto da militante Vera Sílvia Magalhães, que participou do sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, em 1969
Vera também participou de assaltos a banco.
"Não tinha visto essa foto. Eu tinha que segurá-la porque, naqueles dias, ela não conseguia se sustentar em pé, devido às torturas", contou Cid à Folha.
Em outra imagem, essa publicada pelos jornais na época, Vera foi fotografada numa cadeira, diferentemente dos demais presos.
As fotografias foram tiradas momentos antes de o grupo ter sido trocado pelo embaixador alemão Ehrenfried Von Holleben, também sequestrado por esquerdistas.
Do Rio de Janeiro, o grupo seguiu para a Argélia. Parte regressou clandestina ao Brasil, e alguns acabaram mortos pela ditadura militar. No exílio, Vera estudou sociologia na França.
Retornou ao Brasil em 1979, após a aprovação da Lei da Anistia.
Em depoimento prestado à Câmara dos Deputados em 2003, Vera confirmou que as torturas a impediram de ficar em pé pouco antes de ser levada para Argélia. Ela disse que "nunca mais se recuperou fisicamente".
SEXTA-FEIRA SANTA
"Fui a única torturada na Sexta-Feira Santa na Polícia do Exército. E eles me disseram: 'Você vai ser torturada como homem, como Jesus Cristo'", contou Vera.
Ainda no depoimento à Câmara, Vera classificou a tortura que sofreu como "inteiramente desmesurada".
"Para uma mulher, acho que exageraram mesmo. Fiquei cheia de sequelas, cheia de problemas." Vera morreu em 2007, vítima de câncer.
Única mulher a participar do sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick, Vera foi representada no cinema por duas personagens no filme "O Que É Isso, Companheiro?" (1997), interpretadas pelas atrizes Fernanda Torres e Cláudia Abreu.

Presos políticos na ditadura

 Ver em tamanho maior »
Alan Marques/Folhapress
 
Engenheiro Raul Amaro Nin Ferreira, dias antes de sua morte em 1971

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Buddha Bar - Bliss (Wish you were here)




Queria Que Você Estivesse Aqui
Como as ondas nas praias
Parte do oceano
As estrelas lá no alto
Parte do céu
Agora eu estaria com você
Eu sonho com um rio
Uma água tão azul
Queria poder viver lá
Queria que você estivesse aqui…
Como o ar que eu respiro
Você vai sempre estar lá
As asas que eu preciso
Quando eu quero voar
Agora eu estaria com você
Eu sonho com um rio
Uma água tão azul
Queria poder viver lá
Queria que você estivesse aqui…
Como as ondas nas praias
Parte do oceano
As estrelas lá no alto
Parte do céu
Agora eu estaria com você
Eu sonho com um rio
Uma água tão azul
Queria poder viver lá
Queria que você estivesse aqui…

sexta-feira, 20 de julho de 2012

RACIONAIS MC'S- ESTILO CACHORRO (eQ. Roba Cena)

Sobre o mal-estar na canção

Na edição da revista digital Serrote deste mês, a seção Desentendimento reuniu o musico Rômulo Fróes e o pesquisador Walter Garcia, mediados pelo coordenador da Rádio Batuta do IMS, Paulo da Costa e Silva. O cardápio foram os rumos da canção, e o debate foi quente, me motivando a matutar um bocado mais sobre o assunto que move este blog. Antes de qualquer coisa, aqui está o link para o debate (não é absolutamente necessário ver o debate para entender o artigo a seguir, mas quem não vir vai perder_). Além disso, o compositor Mauro Aguiar publicou uma carta aberta dirigida ao cantor e compositor Sérgio Santos em que comentava e discordava de pontos do debate (a carta está reproduzida no perfil do blog no Facebook). E agora é minha vez de dizer o que ruminei, tentando, se não sistematizar, ao menos ordenar alguns aspectos de uma discussão que não se pretende que termine.
Parto de um detalhe da discussão que considero sintomático da oposição atual entre dois grupos, um considerando o trabalho de músicos novos (representados pelo Rômulo no debate) como algo de realmente novo na música brasileira, e outro que não vê com bons olhos a maioria destes trabalhos, alguns tratando-os como um retrocesso em relação à música feita por gerações anteriores. Neste sentido, Walter fez a comparação entre o álbum Cambaio, de Chico Buarque e Edu Lobo, e Sobrevivendo no Inferno, dos Racionais Mc’s, centrando o foco, em determinado momento, nestas duas canções, e é daqui que eu parto:
Tô ouvindo alguém me chamar – Racionais Mc’s
Ode aos Ratos – Chico Buarque, de Chico e Edu Lobo
Ode aos ratos não tem o ponto de vista de um bandido. Ele é o ponto de um autor que se assume não sendo bandido nem do meio e se debruça sobre o tema, e a tomada de consciência que vai se fazendo na letra de Tô ouvindo não poderia ser pensada por Chico. Enquanto Mano Brown está no seu território no rap, Chico chega a ele pelo subterfúgio do repente, do baião – ele traça um caminho musical-lógico que justifique ele fazer um rap para falar do bandido, enquanto o Mano vai direto ao ponto, justificado pelo seu meio urbano de nascença e ponto.
E aqui começamos, porque é ao mesmo tempo obrigatório e impossível comparar as duas composições: porque Chico parte de outro ponto para fazer a sua, que é muito anterior. Chico tem seu trabalho, sua canção, forjado no momento pós-bossa nova em que a pesquisa das manifestações culturais brasileiras por parte dos compositores impregnou definitivamente a canção – diferentemente de um Luiz Gonzaga, trazido diretamente do sertão, agora um Edu Lobo emulava a música do sertão trazendo-a para o universo harmônico aberto pela bossa nova, sendo que esta, baseando-se no samba, praticamente o único ritmo urbano de matiz distintamente nacional da primeira metade do século XX, fez também o caminho centrífugo e influenciou ritmos regionais em todo o Brasil. Depois de sua estilização ele se abriu para ritmos diversos, e a classe média engajada foi atrás desta identificação com o povo para estabelecer legitimidade em seu discurso, que era em boa parte voltado para esta mesma classe média, mas não só – é a conciliação de classes de que fala Walter no debate. Temos então Chico representante deste movimento, pois como disse o Tom, até seu fox-trote é brasileiro. Então, resumindo brutalmente, aí está o projeto de canção do Chico: a canção da bossa nova se alimentando de uma tradição que é, ao fim e ao cabo, rural. E aí está o busílis.
Porque o Brasil não é mais o país rural que era antes da bossa nova. O estabelecimento de uma música que fosse tipicamente urbana veio trazendo para a cidade levas após levas de estilos regionais, e ao mesmo tempo foram ondas e ondas de influências externas, rock, soul, pop, música eletrônica, sempre também urbanas – pois são as cidades que se comunicam. Os movimentos pós Bossa da década de 70, como o Clube da Esquina e os nordestinos de Alceu e Ramalho tem um pé nas tradições populares e outro no rock’n roll, e geram frutos até hoje via Lenine e Skank. A geração BRock 80 fez o caminho inverso, gerando uma onda de choque para depois ser progressivamente assimilada, seja por seu próprio movimento, como os Paralamas, seja pelo alargamento do conceito de… MPB. Neste sentido, é possível vizualizar a trajetória da MPB lado a lado com este grande movimento do país do rural em direção ao urbano. Se em 1967 a ligação com a criação folclórica era legitimadora de uma música urbana, hoje este caminho está terminando, não existe mais criação anônima, o que era criação folclórica hoje é assinada – o que não impede que haja trabalhos ainda calcados neste universo com uma vitalidade incrível, como os de Siba ou Renata Rosa.
E aí fica claro que a canção que talvez esteja em um impasse seja a canção na qual se apoiou a chamada MPB, de Chico. O que ocorre é que chegou-se a um ponto do esgarçamento da MPB, via este modelo de canção específico, em que grupos novos já não almejam o reconhecimento por esta sigla, nem a contestam como o BRock 80 – simplesmente não lhe dão tanta importancia. O primeiro choque aconteceu ainda quase no nascedouro da MPB, pela Jovem Guarda, e foi a Tropicália que permitiu, não sem contestações, sua assimilação. Pois a composição da Jovem guarda não tem o modelo composicional da MPB, isso é evidente. Ela não se movimenta pela harmonia, mas pelo riff, por exemplo, o que para um (não tão) hipotético MPBista radical é sinônimo de pobreza musical. Mas se pensarmos na obra atual do Caetano Veloso, trazendo para torno de si musicos das turmas novas, ele não está fazendo nada de diferente de quando defendeu a Jovem Guarda.
Então, à primeira vista, quando se afirma que Sobrevivendo no Inferno é superior de alguma forma a Cambaio, estamos falando de estruturação musical apenas? É evidente que não. Isso me lembra o surgimento do punk, entre 1978 e 79, como uma reação a um empobrecimento e uma exclusão social em marcha na Grã-Bretanha, mas também a um rock progressivo que se tornava cada vez mais anódino, perdia o pé da realidade em suites de 30 minutos sobre temas fantasiosos. A crueza terrível do punk, com baixos e guitarras desafinados, foi um choque de realidade no rock, uma chamada à ordem, uma virada de mesa para apontar em outra direção.
Seria possível então pensar nos Racionais como esta virada em relação à MPB tradicional: Ode aos ratos, representaria um dos últimos degraus de um lance de escada, enquanto Tô ouvindo alguém me chamar, o primeiro degrau do lance seguinte, que faz 180 graus de curva para continuar subindo, mas agora num outro patamar. Neste sentido, Criolo e Emicida, representariam já um degrau acima, um nível de elaboração – num sentido estritamente musical – um pouco maior, a ponto de se relacionarem com estilos e músicos mais distantes de seu universo, como Mulatu Astake e o prório Chico. Mas atenção: esta metafórica escada, que lembra a famigerada linha evolutiva da MPB aventada por Caetano há tempos, fala de processo histórico, de relevância, mas não de mérito artístico em si. Afinal, voltando à origem da comparação, tanto o punk quanto o rock progressivo são relevantes e permanecem na memória e no ouvido, ambos mantém sua influência sobre a produção atual…
Mas aqui cabe marcar duas diferenças fundamentais: primeiro, o fato de Chico não estar nem um pouco descolado da realidade. Ao contrário, ele é um observador atento, e as canções de abertura de seus últimos álbuns comprovam isso, como lembra bem Rômulo Fróes no debate. E aí voltamos ao início do texto: a visão de Chico não é, e nem pode ser, a visão do próprio detento, por absoluta falta de identificação pessoal direta, no sentido social – Chico recorre à identificação humanitária, ao reconhecê-lo como semelhante, filho de Deus, irmão.
Mas a segunda diferença é ainda mais importante. É o fato de a música dos Racionais não ter surgido ex nihilo. O vídeo dos Racionais mencionado por Walter como adendo ao álbum Trutas e Tretas, em que eles mostram todo um histórico do universo de música dos excluídos dentro da metrópole e ignorado pelos meios de comunicação, deixa claro que eles não são de modo algum um primeiro degrau, mas apenas o primeiro que conseguiu uma certa visibilidade, por ter extrapolado o público inicial para abarcar uma população não necessariamente excluída, mas identificada de alguma forma com aquela realidade – senão com aquela estética – um degrau intermediário de outra escada, um outro projeto musical, que em algum momento cruzou com o da chamada MPB, assim como o rock, o soul, a música eletrônica… e que agora é reconhecida por parte de um grupo de músicos como o representado informalmente pelo Rômulo Fróes, na verdade bastante heterogêneo. Uma história que se repete, então?
Sim e não. Porque desta vez esta nova ampliação se dá num ponto limite dos conceitos de canção e MPB, porque a produção musical e também o seu consumo estão descentralizados e o público de classe média que sustentou este projeto histórico-musical da MPB e que Chico representa tão bem agora também se amplia, oriundo de classes mais baixas e com histórias musicais diversas. O que provoca o reconhecimento por parte desta nova Jovem Guarda, ou de Neotropicalistas, à escolha, não apenas dos Racionais, mas também de Gaby Amarantos e a turma do Pará, dos sertanejos universitários, da música brega retrospectivamente… Todos estes movimentos são passíveis de influenciar quem se disponha a ser influenciado por eles, são paradigmas musicais diversos que tem seus lugares ao sol ampliados, e é um grupo de músicos disposto a trazê-los para seus trabalhos, e ampliar seus conceitos particulares de MPB e canção. Uma interpretação de que faz parte da questão da preocupação do timbre como um fator ordenador da música, ao invés de acessório – aspecto que deixo um pouco de de lado aqui propositalmente, para tratar de outros pontos relevantes, mas que tem interação direta com isto, na medida em que estas outras correntes tem sonoridades específicas imediatamente reconhecíveis e bem diferentes da MPB que se tornou tradicional.
E esta aceitação seria garantia de qualidade? De jeito nenhum. Do mesmo modo como Rômulo e Walter concordam brincalhonamente que odeiam bossa nova – no sentido do rótulo que acobertou bobagens musicais e criações tão descoladas da realidade e anódinas quanto as suítes de Rick Wakeman na Inglaterra de 1970, é possível que boa parte da produção atual não sobreviva ao teste da audição daqui a uma década. Assim como a não aceitação do paradigma tropicalista não significa um trabalho menor, obviamente – que o diga Dori Caymmi, que ao gravar compositores contemporâneos escolheu canções de Caetano e Gil anteriores à Tropicália. Assim como há possibilidades de aceitação parcial, de diálogos parciais, sem querer abarcar o mundo com as pernas. Caetano cantou funk carioca, brega, rock? Pois Chico não cantou nada disso, o que não significa que não os tenha reconhecido em sua música, de forma muito diversa, o que permitiu o diálogo entre ele e Criolo. Chegamos a um momento histórico na canção brasileira que me lembra uma chegada tardia à pós-modernidade, um estilhaçamento de conceitos que permite interpretações opostas, sendo ambas verdadeiras, já que tratamos de arte, subjetividade em estado puro. Como disse Walter no debate, dependendo do que eu quiser expressar, eu vou procurar os recursos que façam com que aquilo consiga chegar nas pessoas.
O que me leva a uma última questão, que deixo em aberto: será possível desta diversidade, em algum momento futuro, a música brasileira chegar a uma nova conciliação de classe como a que foi estabelecida pela MPB em 1967, sobre novas bases? Algo desta conciliação parece a meu ver ocorrer na agregação de todas estas correntes populares, mas as bases para isto não estão estabelecidas com firmeza, nem mesmo socialmente, muito menos musicalmente. Estamos no meio de um processo histórico, e girando no turbilhão é impossível perceber a direção. Entender as forças que estão em jogo e as transformações em curso dificilmente mudará a direção destas transformações. Mas permitirá girarmos no turbilhão com estilo, que, em se tratando de arte, é o que realmente importa – menos o futuro da canção, mais as canções que se faz hoje, que são o que aponta para o futuro.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Boca Livre - Quem tem a viola

Bola de Meia, bola de gude

Boca Livre - Toada (Na Direção do Dia)

Roupa Nova - Sapato Velho (Clipe Original de 1981 com áudio e imagem rem...

SERGIO SAMPAIO - EU QUERO É BOTAR MEU BLOCO NA RUA

Líder do PUM discursa para Classe Média Tradicional

Alabama Shakes - Hold On (Official Video)

Alabama Shakes - I Found You

terça-feira, 3 de julho de 2012

Capoeira - Berimbau Falou

Capoeira - Berimbau Falou

O negro que sofria na senzala
Trabalhava na fazenda da feitor,
E um dia ele escutou um lamento
Era Zumbi dos palmares
Foi ele que quem libertou
Hoje falou...


Falou, falou da escravidao, falou,
falou, falou da opressao, falou,
falou, la nos tempos de Bimba, falou,
falou, hoje se escutou...


Berimbau ajudava os capoeiras
La no tempo la no tempo da opressao
Se escutava o toque de cavalaria
Quando a policia seguia berimbau ja me avisou
Hoje falou...


Falou, falou da escravidao, falou,
falou, falou da opressao, falou,
falou, la nos tempos de Bimba, falou,
falou, hoje se escutou...


Manuel foi o mestre respeitado
Criador da arte da regional,
Hoje em dia seu nome será lembrado,
Ja nao se esqueçeu do homen que a Capoeira falou...


Falou, falou da escravidao, falou,
falou, falou da opressao, falou,
falou, la nos tempos de Bimba, falou,
falou, hoje se escutou...


Historia que se narran do passado
Jogadores que se escutam ate hoje
E os cantos que me levam pelos tempos
Lembrando issos momentos onde o berimbau tocou
Falou...



Falou, falou da escravidao, falou,
falou, falou da opressao, falou,
falou, la nos tempos de Bimba, falou,
falou, hoje se escutou...

Berimbau, berimbau

Vinicius, poeta e diplomata da linha direta de Xangô; Baden Powell, violonista de Varre e Sai, criado em São Cristóvão, estudioso dos clássicos. Vinícius apresenta a Baden o LP Sambas de Roda e Candomblés da Bahia, que ganhara do maestro baiano Carlos Coqueijo. Vinícius se interessa pelo lado místico, pelas possibilidades poéticas destas manifestações. Baden se interessa pelas possibilidades harmônicas abertas por estes cantos. Trancaram-se na casa de Vinícius por quase três meses e vinte caixas de uísque (!) e saíram de lá com cerca de 25 canções. A certo ponto, compuseram uma a partir das audições do LP baiano. Chamou-se Berimbau, e abriu a porteira para uma série de outras, que Vinícius batizou de afro sambas. Baden conta, em carta de 1990:
Os afro-sambas foram feitos lá pelos idos de 1962 e gravados em 1965/1966. Em qualidade sonora – foi a pior naquele tempo; só existiam dois canais em hi-fi. Foi gravado num daqueles dias, em que caía um temporal histórico – o estúdio estava transbordando de água e chuva – cantávamos e tocávamos em cima de algumas caixas de cerveja e uísque que há muito já havíamos consumido – estamos todos com muita raça, mas também bastante bêbados. Poucos profissionais – até as namoradas, mulheres e amigos participaram da gravação.
Até Betty Faria, naquele tempo atriz e dançarina iniciante, participou da gravação – é dela o contracanto de Canto de Ossanha. E no entanto, os arranjos eram de Guerra Peixe, outro tremendo estudioso das manifestações musicais populares do Brasil. A fusão de instrumentos de candomblé com saxofones e o desabrochar de uma técnica violonística brasileiríssima e inédita, numa linha diferente da consagrada do choro, estipulada por Garoto, fizeram deste álbum e destas canções o marco que são.
Berimbau e Canto de Ossanha são para mim as duas canções emblemáticas, inaugurais da virada da música brasileira que foram os afro sambas. Uma por ter aberto a série, a outra por ter aberto o álbum, ambas cartões de visita do que estava por vir. Há inúmeras semelhanças entre elas, a começar pelas estruturais: estrofes construídas sobre amplitudes pequenas, com ênfase rítmica paradoxalmente chegada à fala, sobre poucos acordes (falo mais à frente disso), e de repente o agudo, o refrão contrastante de melodia aberta destensionando, definindo, afirmando (ainda que anunciando para breve o retorno da tensão).
Mas há mais, e aqui me arrisco a analisar mais a fundo o mergulho que Vinícius e Baden deram na confecção destas canções. Da parte de ambos, de formas diversas, não se trata aqui de fazer música à moda africana, seja lá o que fosse isso. Por assim dizer, sem abrir mão de suas características como compositores e músicos, ambos trouxeram para si, por assim dizer, uma forma de pensar diversa, e a introjetaram nas canções. Vamos um por vez:
Baden Powell nesta época estudava os cantos gregorianos com o maestro Moacir Santos. Ao ouvir os cantos africanos, encontrou paralelos entre eles no uso de escalas modais que permitiriam experiências composicionais. Berimbau tem apenas dois acordes em sua primeira parte, ré menor, acorde da tonalidade, e dó maior. Já no Canto de Ossanha, a substituição do acorde dominante gera uma sequência de acordes suspensos em sétima descendo em meios tons, formações harmônicas que nos induzem ao modalismo, ou seja, o uso de uma escala diversa das escalas maior ou menor, preponderantes na música ocidental, mas comuns na chamada música folclórica, como também nas diversas culturas não européias – africana inclusive.
Os dois acordes de Berimbau me lembram particularmente os dois acordes de So What, primeira faixa do álbum Kind of Blue, de Miles Davis, um divisor de águas no jazz exatamente pelo mergulho nestas tradições não ocidentais. E remete também, como estes, mais do que simplesmente a uma conformação musical diversa, também a um pensamento diverso – não apenas uma estética, mas uma ética diversa, que se reflete nas letras de Vinícius, e que é muito menos distante de nossa realidade do que podemos supor (aqui, artigo do filósofo Walter Gomide Junior, partindo de Hegel para falar das implicações de modalismo, tonalismo e atonalismo como sínteses de seus tempos).
O álbum Afro sambas poderia se chamar Amor e dor. Não consegui contar quantas vezes Vinícius rima, ou mesmo apenas associa os dois conceitos. Não que isto seja algo tão diverso de sua obra. No Samba da bênção, ele já avisa: pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza, se não não se faz um samba não. Esta celebração da tristeza e da dor também é componente fundamental do samba. Mas nesta característica há uma ponte entre a poética de Vinícius e o samba, que é exacerbada nos Afro sambas, tornando-se, ao longo do álbum, como que um segundo conceito, que é trabalhado lado a lado com o do título, e associado a ele:
Iemanjá a cantar o amor / E a se mirar
Na lua triste no céu, meu bem / Triste no mar
(Canto de Iemanjá)

Hoje é tempo de amor / Hoje é tempo de dor, em mim
(Canto de Xangô)

Sou da linha de umbanda / Vou no babalaô
Para pedir pra ela voltar pra mim
Porque assim eu sei que vou morrer de dor
(Tristeza e Solidão)
Mas isto é pouco, pois a ideia do sofrimento como propulsor da arte nem de longe é exclusiva. Há algo mais claramente revelador de uma ética – um ethos, para ser mais exato – à parte da tradição da moral cristã/ocidental. Basta analisar as letras paralelas, quase complementares, de Berimbau e Canto de Ossanha.
Quem é homem de bem / Não trai
O amor que lhe quer / Seu bem
Quem diz muito que vai / Não vai
Assim como não vai / Não vem

O homem que diz “dou” / Não dá
Porque quem dá mesmo / Não diz
O homem que diz “vou” / Não vai
Porque quando foi / Já não quis
O homem que diz “sou” / Não é
Porque quem é mesmo “é” / Não sou
O homem que diz “tou” / Não tá
Porque ninguém tá / Quando quer
Em ambas as canções, o que se vê é a definição do que é um homem – um homem de bem. A hombridade consiste em não trair, fazer o que diz e não falar em vão (em Para além do bem de do mal, Nietzsche afirma: Falar muito de sí mesmo pode ser um jeito de esconder aquilo que realmente é. São valores de uma ética da honra que é alheia à celebração de alguns valores tipicamente cristãos como a mansidão e um amor sublimado e sacrificial, em prol de uma ética muito mais afirmativa e que eventualmente passa ao largo dos códigos de honestidade puritanos da religião européia.
Vale conhecer um mito yorubá, contado pelo historiador Reginaldo Prandi, que explica e motiva a afirmação se é canto de Ossanha não vá, que muito vai se arrepender:

Um rei decidiu casar a sua filha mais velha. Dá-la-ia em casamento ao pretendente que adivinhasse o nome de suas três filhas. Ossaim aceitou o desafio. À tarde, Ossaim saiu sorrateiro por trás do palácio. Subiu no pé de obi [nogueira] e se escondeu entre seus galhos. Quando as três princesinhas saíram para brincar, foram surpreendidas por um canto que vinha daquela árvore. Era o canto de pássaro irresistível, de um passarinho das matas de Ossaim. Mas o canto era de Ossaim, imitando o pássaro. O passarinho brincou com as três princesas e conseguiu saber o nome delas: Aio Delê, Omi Delê e Onã Iná, eram estes os nomes das filhas do rei. Sua esperteza havia dado certo. No dia seguinte Ossaim foi ao rei e declamou a ele o nome das princesas. Ossaim, então, casou-se com a mais velha. Sua esperteza havia dado certo. Ossaim desde então é identificado com o pássaro.
É proverbial a lábia de Ossanha, orixá das folhas e ervas medicinais e detentor do segredo das palavras que devem ser pronunciadas para provocar sua ação. Assim, o título Canto de Ossanha tem uma polissemia, não se refere tanto ao fato de ser um canto típico de umbanda ou candomblé para ossanha, mas sim uma canção sobre o canto de ossanha em si.
Desta forma, vislumbra-se implícita nos versos destas canções uma, digamos, afro ética expressa na letra de Vinícius, que soa paralela e se coaduna à visão composicional de Baden. Valores de uma moralidade não européia e que está entranhada na cultura nacional, em questões sociológicas que vão do jeitinho brasileiro tratado por Roberto Damatta até a chamada ética da bandidagem, código de honra entre criminosos em que a traição é considerada a grande falta – como nesta notícia tirada do sítio G1:
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), Luiz Flávio Borges D´Urso, repudiou as declarações do advogado Jeferson Badan, que, na noite anterior, falou à imprensa que “todo bandido tem ética” e “em todas as profissões têm ética”. As frases foram ditas pelo defensor para justificar o motivo pelo qual o seu cliente, que confessou participação no assassinato do estudante da USP, Felipe Ramos de Paiva, de 24 anos, não iria entregar o comparsa, que teria atirado na vítima.
Obviamente, a presença de elementos desta ética nos Afro sambas não significa absolutamente um endosso a estes fenômenos. Entretanto, os pressupostos éticos expressos aqui entram em choque com a moral tradicional, assim como a declaração do advogado gerou uma reação inevitável da OAB defensora obrigatória de valores absolutamente diversos. Há aqui um estranhamento entre visões de mundo diferentes, e o elemento que será responsável pelo amálgama entre estes, servindo de mediador entre dois mundos, é a figura do capoeira, marginalizado por muitas décadas, e que manda dizer que já chegou, chegou para lutar. Ele é responsável por fazer valer uma ética que não é o lado certo da vida errada, frase comum entre criminosos usada quase como uma justificativa, mas também não diz amém aos valores impostos pela sociedade muitas vezes preconceituosa. Para ele, o sofrimento e a dor são efetivamente valorizados, porque definem a constituição do sujeito. Apoderar-se desta dor e redirecioná-la de forma a construir uma identidade e lutar por esta constituição exige, literalmente, jogo de cintura. O que não falta nem no samba nem na capoeira.
Pol Briand, responsavel pela Associação de capoeira Palmares em Paris, afirma neste ótimo artigo
A visão europeia está profundamente marcada pelo maniqueismo através da integração por Santo Agostinho. Lembro do estranhamento de colegas franceses em encontrar a frase “mandingueiro cheio de malemolencia” usada em louvor a Mestre Bimba no disco de Acordeão (Bahia, LP, 1988). É que nas crenças francesas atuais, a figura do santo guerreiro é de todo apagada. A bravura não é mais considerada virtude na cidade moderna. Entretanto, os pais fundadores das Repúblicas, tanto americana como francesa, consideravam-na como única garantia da liberdade.
Foi atrás desta ética que Vinícius e Baden partiram. Muito mais do que meros exercícios de estilo (pois se o fossem não teriam sobrevivido e fundado quase uma escola de composição e violão como fizeram), os Afro sambas são efetivamente a realização, no dizer de Vinícius na contracapa do álbum, de um novo sincretismo: carioquizar dentro do espírito do samba moderno, o candomblé afro brasileiro dando-lhe ao mesmo tempo uma dimensão mais universal. São as tradições, o pensar, o fazer de uma cultura diversa abrindo caminho – na trilha do que Pixinguinha já fizera, é bom lembrar – por dentro da canção brasileira. Seus frutos estão aí até hoje. Somos muito gratos.
Berimbau instrumental – Baden Powell

 
Berimbau

 
Canto de Ossanha – regravação de Baden Powell em 1990, com o Quarteto em Cy

 

berimbau - nossa alma canta