terça-feira, 22 de novembro de 2011

Clarice Lispector - Nossa Truculência

Quando penso na alegria voraz com que comemos galinha ao molho pardo, dou-me conta de nossa truculência.


Eu, que seria incapaz de matar uma galinha, tanto gosto delas vivas mexendo o pescoço feio e procurando minhocas. Deveríamos não comê-las e ao seu sangue? Nunca.


Nós somos canibais, é preciso não esquecer. E respeitar a violência que temos. E, quem sabe, não comêssemos a galinha ao molho pardo, comeríamos gente com seu sangue.


Minha falta de coragem de matar uma galinha e no entanto comê-la morta me confunde, espanta-me, mas aceito.


A nossa vida é truculenta: nasce-se com sangue e com sangue corta-se a união que é o cordão umbilical. E quantos morrem com sangue.


É preciso acreditar no sangue como parte de nossa vida. A truculência. É amor também.

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